Sentada sozinha em um restaurante, decidiu que precisava de um prazer.
Um outro prazer que não a comida, sempre de ótima qualidade por ali.
Vinho.

-"A carta de vinhos, por favor".

Um calor dos infernos, quase 30° lá fora, restaurante cheio.
Claro, um branco seco, geladíssimo, eis o prazer que ela buscava.
Escolheu um argentino, por causa do preço.
O garçom lhe trouxe, e uma embriaguez turvou-lhe os olhos, mesmo antes de prová-lo.
Encantou-se com aquela cor amarelo palha, e sem perceber, passou sua língua pelos lábios.

Os sentidos já em alerta, estava pronta.
Ela chegou mesmo a envergonhar-se deste olhar, como se fosse um prenúncio do sexual.
Pegou a taça, detendo-se em busca de um perfume, débil, diria um enólogo, mas ainda assim, era preciso viver intensamente aquilo ali.

Deixou que o líquido ficasse algum tempo parado em sua boca, retardando meticulosamente o começo da festa, toda sua, toda íntima. Era preciso buscar o máximo possível de sensações. Desfrutar. Ir a fundo nos verdadeiros mistérios deste jogo.

Lentamente, libertou-o, e uma leve acidez escorreu por sua garganta, misturada ao aveludado do álcool.

Perdida neste vai e vem, sem saber das horas, ou foram apenas minutos?

Só foi notar que as pessoas à sua volta já não eram mais as mesmas, quando o vinho acabou.

E o pior, incapaz de perceber que tal prazer chegara ao fim.

Conseguiu pagar sua conta, e ótimo, ficar de pé.

Lá fora, os mesmos 30°, à sombra.

Gente e carros rodando sem prazer algum.

Ela também.

Pernas pesadas, arrastando-se pelo caminho de casa.

Jamais poderia imaginar que dois quarteirões fossem uma distância digna de um Paris-Dakar.

Chegar em casa, escurecer o quarto e cair na cama, este sim, um prazer dos deuses.




Rita de Cássia Guimarães.